Jornalista: Gonçalo Mabunda, bom dia!
Obrigada por ter aceitado estar connosco nesta manhã de Sábado, do mês de Outubro, no nosso bairro da Mafalala que já se tornou um dos “icon spaces” da nossa cidade.
Como é que surge o convite para participar na Bienal de 2015, evento que lhe permitiu ficar conhecido na esfera da arte contemporânea e moderna a nível internacional?
Gonçalo Mabunda: Eu participei nessa Bienal, em 2015, através da escolha feita pelo grande e, infelizmente já falecido, Curador Okwui Enwezor. Ele era responsável por escolher os artistas africanos que iriam participar e, graças a ele, fui um dos escolhidos. Esse apoio e a sua recomendação, perante tantos outros artistas a nível não só do continente africano mas de outros continentes, ajudaram-me não só a participar na Bienal, mas também a que as minhas obras fossem escolhidas pelos júris de curadores para estarem expostas na sala principal de exposições individuais da Bienal, o local mais prestigiado da exposição.
Na Bienal de Veneza deste ano, promovida pela AKA Project, tenho as minhas peças expostas no Pavilhão de Moçambique, juntamente com as peças dos artistas Mário Pinto e Filipe Branquinho.
J.: Como é que Gonçalo Mabunda se torna artista plástico?
Gonçalo Mabunda: Eu começo por trabalhar no Núcleo de Arte, não como artista, mas como faxineiro do espaço. Enquanto trabalhava, comecei a observar os artistas a trabalharem, o que me começou a deixar curioso e com vontade de experimentar. Artistas como Miro e o falecido Victor de Sousa chegavam ao Núcleo com as suas telas, umas tintinhas, depois faziam as suas obras e punham-nas à venda na Galeria. Então eu pensei se não poderia fazer o mesmo e comecei a tentar criar algo com o meu próprio material. E foi assim que cheguei até aqui…
J.: Qual foi a exposição que mais o marcou até hoje?
Gonçalo Mabunda: A que mais me marcou foi a África Remix, na Alemanha, porque fui convidado, pela primeira vez, para expor a minha arte numa exposição, coisa que nunca me passaria pela cabeça. Naquele tempo, eu não sabia nada sobre o que era arte, ou sobre o que era Arte Contemporânea. E, simplesmente, um dos maiores curadores de África, Simon Njami, escolheu-me para participar nessa exposição!
Ele andou por Maputo, sem dizer qual era o seu objectivo por cá, foi-se embora e, um dia, estava eu no Franco-Moçambicano, quando ouço o antigo Director desse espaço a chamar-me a mim e ao falecido Titos Mabota, que considero um dos artistas contemporâneos mais tops. Ele era fora de série mesmo!
O Director disse-nos: “Gonçalo Mabunda e Titos, vocês foram seleccionados para a África Remix, que vai pela primeira vez reunir as obras de 100 artistas africanos, e vocês vão representar a Arte Contemporânea.
Lembro-me de olhar para o Titos e lhe perguntar: “Arte Contemporânea? Que é isso?” Lá fomos os dois para a Alemanha… Quando cheguei à exposição vejo o meu antigo mestre, Andries Botha, com quem aprendi arte em Durban. Eu a subir e ele a descer as escadas. Ele chama pelo meu nome e eu respondi: “Sim”. “What are you doing here (que fazes tu aqui) ”?
- pergunta-me ele.
“Estou aqui na exposição!”- respondo eu, ainda não acreditando que estava mesmo perante o meu antigo mestre, uma das pessoas que mais admiro na vida e que me pôs na Universidade Technikon, em Natal. Ele tinha cá vindo fazer um workshop, “Jam4”, e, depois de terminar, levou-me para Durban para aprender ainda mais. Então, esse reencontro foi uma coisa bonita e interessante!
J.: Qual considera ser a sua melhor obra?
Gonçalo Mabunda: Todas as minhas obras são as melhores porque são todas elas que me projectam até aos dias de hoje e para que hoje esteja aqui a ser entrevistado. Sinceramente, não sei qual foi a mais especial. Talvez a minha melhor obra ainda esteja por vir.
J.: As suas obras são feitas com materiais sensíveis, porque estamos a falar de obras que são feitas com balas, partes de armas e, quando qualquer pessoa pensa nesse mesmo material, vem-lhe à cabeça algo que simboliza o terror e a guerra. Mas o Gonçalo Mabunda consegue transformar essa imagem numa imagem de beleza, apreciada pelas pessoas. Como explica esse fenómeno de transformação de uma coisa negativa numa coisa bela e admirável?
Gonçalo Mabunda: Eu tenho várias experiências a nível dos meus trabalhos artísticos. É uma caminhada que já estou a percorrer desde 1997. Foco-me no meu trabalho, naquilo que desenho e no que uso para o realizar. O que me dá força são acontecimentos que me vêm surgindo na vida e que me dão sinais de que devo continuar por este caminho. Os materiais foram escolhidos com o objectivo de sensibilizar as pessoas que apreciam o meu trabalho. Senti isso mesmo quando, certo dia, estava em Paris e o presidente Bill Clinton, que estava de visita ao espaço de um dos maiores coleccionadores de arte, perguntou quem era o artista que tinha criado aquela peça que, por acaso, era a minha. E Bill Clinton disse que queria aquele artista para fazer os prémios para o “Clinton Global Initiative Summit”. É interessante como o nosso nome, de repente, vai até ao outro lado do Mundo! Ele não queria prémios feitos em fábrica, queria prémios feitos na minha casa, num sítio onde se pisa areia. Então, de cápsulas de balas, eu fiz os prémios a serem dados nos Estados Unidos e para serem vistos num evento onde havia presidentes e presidentes e … eu.
Quando entregou os prémios, Bill Clinton, disse quem os tinha feito. Isso é muito interessante e muito bonito. Uma coisa que parece não ser nada pode ser tão “Ya”!
J.: Se Gonçalo Mabunda pudesse privar com um líder mundial, qual seria a sua escolha?
Gonçalo Mabunda: Eu tenho várias boas memórias com líderes mundiais. Durante a Cimeira Clinton, em Nova Iorque, disse-lhes que não queria pôr gravata. Tinha um fato vestido e isso era o meu limite, gravata não… Eles implicaram e disseram que tinha de pôr a gravata, então, Bill Clinton disse-lhes: “Deixem-no”. E lá fui eu sem a gravata a apertar o meu pescoço.
Tenho uma boa memória do Presidente Marcelo de Portugal, durante a sua primeira visita oficial. Quando fizemos a inauguração da minha obra na entrada do Edificio Platinum, em Maputo, ele fez questão de saber de quem era a peça.
E houve ainda um acontecimento muito importante que foi a ida do Presidente Chissano ao meu atelier. Sem me avisar, começa a falar comigo sobre as minhas obras.
Então, todos estes com que pude privar marcaram a minha vida de uma ou de outra forma.
J.: Gonçalo Mabunda, as suas obras já estiveram, e muitas ainda estão, em vários museus em todo o mundo. Em que museu sentes mais orgulho de ter exposto?
Gonçalo Mabunda: Os museus são diferentes e são tantos! Por exemplo, teve aquela vez em que houve uma exposição em que era eu e Basquiat (quando eu era mais novo, era fã do Jean-Michel Basquiat, até o tentei imitar) – a minha cadeira de um lado e Basquiat do outro.
Epá, o curador pôs-nos a enfrentarmo-nos. Não é que eu fosse enfrentar um grande artista como ele, mas era bonito. E, do outro lado, estava Picasso, na mesma exposição que eu. Isso sempre foi um sonho! Eu ter essa gente toda e estavam lá comigo… Muito bonito!
J.: Nasceu no dia 1 de Janeiro, no primeiro dia do ano de 1975. Isso faz de si uma pessoa diferente?
Gonçalo Mabunda: Nunca me interessei por ser conhecido ou diferente. Quero ser sempre uma pessoa normal… um moçambicano normal que vem ao Dhow beber um copo e estar à vontade, ir à barraca e beber um copo e estar à vontade. Isso é o mais importante para mim. Nascer no dia 1 de Janeiro apenas significava que onde quer que eu fosse visitar família, vizinhos ou amigos tinha sempre comida na mesa, porque é sempre um dia que se comemora.
Perguntas espontâneas:
J.: Gonçalo Mabunda, infância ou idade adulta?
G. Mabunda: Infância porque foi quando aprendi mais.
J.: Sol ou Lua?
G. Mabunda: Lua.
J.: Picasso ou Dali?
G. Mabunda: Os dois.
J.: Chissano ou Malangatana?
G. Mabunda: Chissano.
J.: Basquiat ou Banksy?
G. Mabunda: Adoro Basquiat!
J.: Cinema ou Netflix?
G. Mabunda: Gosto dos dois.
J.: Grafiti ou Pintura?
G. Mabunda: Tenho amigos no grafiti, de que gosto, mas prefiro pintura.
J.: Bienal ou Art Basel?
G. Mabunda: Bienal, sempre.
J.: Londres ou Nova Iorque?
G. Mabunda: Londres.
J.: Kruger ou Gorongosa?
G. Mabunda: Gorongosa, claro, até tenho a história de um elefante que veio contra mim.
J.: Um elefante foi contra si? Conte lá essa história.
G. Mabunda: Não é história, é verdade. Até tenho uma amolgadela na minha pulseira. Eu estava à procura de antigas armadilhas e de outro material e apareceu esse elefante. Comigo já no carro, ele veio contra mim. Não foi nada de grave, mas foi um susto. Bateu uma vez no carro e foi-se embora.
J.: Maputo ou Catembe?
G. Mabunda: Catembe.
J.: Martin Luther King ou Nelson Mandela?
G. Mabunda: Os dois.
J.: Café ou chá?
G. Mabunda: Chá.
J.: Homem ou mulher?
G. Mabunda: Mulher!
J.: Fumar ou beber?
G. Mabunda: Beber.
J.: Amor ou Respeito?
G. Mabunda: Os dois, amor e respeito.
J.: Sorte ou Destino?
G. Mabunda: Essas coisas estão juntas.
J.: Dia ou Noite?
G. Mabunda: Epá, eu gosto do dia para trabalhar e gosto da noite para pensar.
J.: Leão ou Leopardo?
G. Mabunda: Eu sou Leopardo porque gosto de subir às árvores.
J.: Manga ou papaia?
G. Mabunda: Papaia.
J.: Mar ou Montanha?
G. Mabunda: Gosto do mar.
J.: Armas ou Rosas?
G. Mabunda: As duas coisas, armas porque as transformo e rosas porque gosto de as oferecer.